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Liberalismo à brasileira, o Estado que nasceu antes da Sociedade

Para entender o Brasil e sua dinâmica econômica e política, é fundamental observar que uma das características mais profundas do país é, exatamente, a alternância de protagonismo entre Estado e Mercado. Nossa sociedade flerta constantemente, alternativamente e desde sua fundação, com o liberalismo econômico e, ao mesmo tempo, com uma forte ação do Estado como motor do desenvolvimento econômico e essa relação é brilhantemente analisada no paper “Mãos Visíveis e Invisíveis na Construção do Estado Moderno”, do doutor em ciências políticas e professor Eduardo Raposo.

É uma questão cultural que remete ao nosso descobrimento e povoamento. No Brasil, o Estado nasceu antes da sociedade. Visando atrair comerciantes e povoar o país, a coroa portuguesa dava concessões de alvará de negócios comerciais e títulos de nobreza para uma massa de novos habitantes, que não tinham por objetivo construir uma nacionalidade, que, diga-se de passagem, teve seus primeiros sinais somente no século XIX e uma primeira versão homogênea no início do século XX, mas sim implementar uma agenda de dominação e povoamento desconectados de uma agenda de modernidade burguesa, que endereçava questões como desenvolvimento econômico, justiça social e democracia, deixando a colônia e futura nação à mercê da influência e das diretrizes do Estado português.

O Estado brasileiro criou fundamentos, independentemente do modelo de governo adotado (monarquia, República e mesmo na ditadura), de principal articulador do desenvolvimento econômico, assim como de políticas e estratégias de desenvolvimento social. Contudo, esse caráter predominante e intervencionista em uma sociedade de identidade débil, motivada pela agenda de dominação pura e de interesses individuais e desconectada com os demais grupos que formavam o tecido social brasileiro, como índios e negros vindos da África, apenas solidificou um Estado que fornecia acessos desiguais a benefícios ou políticas controladas por ele, e a grupos políticos cujo objetivo era dominar o Estado, tendo acesso exclusivo e controle político sobre ele, e cujo objetivo era excluir seus concorrentes da chegada ao poder e estes, por sua vez, procuravam desestabilizar essas instituições para tomá-las e reiniciar o processo.

Assim se solidificava uma cultura ibérica, e que até hoje é parte concreta da história política do país formada pelo (I) Autoritarismo Político (II) Instabilidade Institucional (III) Desigualdades Sociais.

O Estado é o prêmio dado aos vencedores.

Esse perfil híbrido, dúbio de nosso país, que formou a personalidade de cada brasileiro, foi posteriormente, nos anos 30, definido por Sergio Buarque de Holanda como “Homem Cordial”, ou seja, um sujeito emotivo e particularista, que tende a dividir o mundo entre amigos que merecem todos os privilégios e inimigos que merecem a letra dura da lei. Seu interesse, apesar de estar presente em todas as dimensões da vida, se concentra na ação do Estado.

Esse DNA tipicamente brasileiro leva a uma percepção antagônica, paradoxal do país, que ora se mostra incrivelmente moderno, e ora, concomitantemente, escandalosamente conservador, como um Deus Janus, mas que não só olha passado e futuro, mas o admira igualmente. A sociedade brasileira é um conservador de roupagem reformista.

Para entender a profundidade dessa contradição ou dicotomia, basta ver que o país adotou em sua economia o perfil agrário e, somente em 1929, após o crash da bolsa e sob o efeito da Primeira Guerra Mundial, o país começa a produzir para o mercado interno, deixando de ser puramente exportador.

Ainda em 1930, ou melhor, apenas em 1930, Getúlio Vargas resolve promover a industrialização do país, criando uma série de ações que levariam o país a ter segmentos mais modernos da indústria e visando o desenvolvimento da nação, aumentando o setor de serviços e reduzindo a dependência de um desempenho agrícola do país.

Concomitantemente, Getúlio criava direitos trabalhistas que resultavam no fortalecimento do Estado, não só como agente desenvolvedor da economia, mas também protetor da população. Firmava-se o capitalismo de Estado, uma espécie de liberalismo regulado e dependente do Estado e dos benefícios que este pode fornecer a empresários favorecidos e ligados ao grupo do poder.

Nesse cenário, onde ter o domínio político do Estado e a exclusão de desafetos é chave para ter acesso a benefícios e privilégios, a instabilidade política e a luta pelo poder são marcas de nascença da sociedade brasileira.

Sendo assim, não se pode esperar estabilidade política, mas uma contínua luta pelo poder e ações de desestabilização das instituições de governo.

E é essa a nossa história. Tivemos a Revolução de 30, seguida por uma Constituinte em 34, um novo golpe de Estado feito em 1937, e a redemocratização do país acontece somente em 1945. Logo em seguida, em 1954, suicídio de um Presidente da República, renúncia de outro em 1961. Dessa vez, Joao Goulart assume o governo, após turbulenta luta política para fazê-lo, mas, em apenas dois anos, troca seus ministros cinco vezes. Segue-se daí um golpe militar em 1964, que teve diversos presidentes e efetuou nada menos que 17 atos institucionais e mudou a constituição substantivamente por duas vezes.

A redemocratização, felizmente, volta a ocorrer em 1984, foi seguida por eleições indiretas para Presidente da República, onde o vencedor, Tancredo Neves, morre sem assumir o mandato, e seu vice, Jose Sarney, após discussões e acordos no Congresso, assume o país e, em uma profunda crise de hiperinflação, entrega a nação para Fernando Collor de Mello, que em 1992 é afastado da Presidência, que é entregue para o vice Itamar franco.

Finalmente, em eleições diretas, é eleito Fernando Henrique Cardoso, que promove uma onda liberal e de privatizações, e logo depois Luiz Inácio Lula da Silva, que reorganiza o país para as questões sociais, ao mesmo tempo em que se aproveita de um momento economicamente favorável ao Brasil e consegue o único período de relativa estabilização política e econômica do país. Por sua vez, Lula elege sua sucessora Dilma Roussef em 2010 e 2014 e que, em 2016, é afastada do cargo, deixando o governo para seu vice, Michel Temer.

Convenhamos, temos uma forma muito peculiar de desenvolvimento político e econômico. Uma luta constante pelo Estado e seu poder de fazer política e influenciar a sociedade.

É chave que, para ter acesso a benefícios e privilégios, viveremos novamente, com Temer, uma onda liberal de reformas e privatizações. Mas que só fortalece esse estranho liberalismo à brasileira, de crescimento sob influência do Estado.

Para investidores, o Brasil, sua peculiaridade na política e economia, remete ao enigma da Esfinge. Decifre-o ou será devorado.

Arthur Mario Pinheiro Machado é o autor do Apertis Verbis. Foi sócio da Ágora Corretora e responsável pela criação da primeira área de Electronic Trading do Brasil. É hoje um dos principais executivos da ATG (Americas Trading Group), que patrocina o blog Arena do Pavini. Faz parte do Conselho de Administração de diversas instituições.

Fonte: NCST NACIONAL

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